31.5.16

Fora Temer! Dia 10 de junho - Dia Nacional de Mobilização contra o golpe


Com menos de um mês da aplicação do golpe, a conta já chegou aos trabalhadores e trabalhadoras do Brasil. O presidente ilegítimo e golpista, Michel Temer, não esconde o que estava por trás do afastamento ilegal da presidenta Dilma Rousseff: reforma da previdência, com arrocho nos direitos dos trabalhadores, desvinculação do orçamento da educação e saúde, suspensão de programas sociais como Minha Casa, Minha Vida, FIES, PROUNI e PRONATEC, criminalização e perseguição dos movimentos sociais. 

Os escândalos de corrupção envolvendo Aécio Neves, Temer e  Eduardo Cunha demonstram que os chefes do golpe arquitetaram toda movimentação para derrubar a Presidenta Dilma, sem crime de responsabilidade, para  parar as investigações da Lava –Jato, usurpar o poder e aplicar o projeto mais neoliberal da história do Brasil. 

Não reconhecemos o governo golpista, Temer não governará. A rua já é o nosso lugar de resistência, as ocupações são os comitês de resistência, e a luta o nosso lema. Não temos nada a Temer. Por isso, convocamos toda população brasileira, que preza pela democracia e que não reconhece o governo golpista, a ocuparem as ruas e avenidas no dia Nacional de Mobilização pelo “Fora Temer”, no dia 10 de junho de 2016. Seremos milhões em todo o Brasil.  
 


Frente Povo Sem Medo / Fotos: CUT; ‏@MidiaNINJA; Paulo Pinto/Agência PT e Guilherme Santos/Sul21

26.5.16

O PREÇO DO PODER QUE NOS GOVERNA, por Sérgio Saraiva


por Sérgio Saraiva (vi primeiro AQUI)
“Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
Artigo primeiro de nossa Constituição de 1988. Expressa o conceito que dá suporte a organização sociopolítica do ocidente pelo menos desde 1789.
Decorre de outro conceito ainda maior: o de que todo ser humano nasce igual em direitos. Da declaração dos direitos do homem.
E nada expressa mais esse conceito do que o voto. Diante da urna eleitoral todos os homens são iguais.
Não o são desde que nascem, porque não são iguais o homem que nasce em uma maternidade com toda a assistência necessária prestada à sua mãe e o filho de uma mãe que pare em um banheiro público. Não serão iguais ao morrer, um aos quatorze anos baleado pela polícia e outro após os noventa cercado dos cuidados finais; mesmo seus restos mortais terão destinos diferentes. Escusado está exemplificar as diferenças durante a vida desses dois homens.
Exceto diante da urna eleitoral. Ali, cada um valerá um voto e estará igualmente decidindo o futuro de sua nação e o de seu ser cidadão nessa mesma nação.
Não nos iludamos, toda eleição é uma batalha metafórica de vida ou morte dentro da nossa eterna luta de classes.
“Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
Não nos iludamos tratar-se de um axioma. Ou a democracia ser uma condição natural. È antes e sempre uma conquista provisoriamente mantida. Chegar a ela custou a cabeça de reis mais de uma vez, desde o século 17. E muito sangue cidadão.
 “Existem apenas dois partidos na França: o povo e seus inimigos. Temos que exterminar esses vilões miseráveis que estão eternamente conspirando contra os direitos do homem… Um rio de sangue que separe a França de seus inimigos” – Robespierre, morto em 1794.
Quantos rios de sangue cortaram o território da democracia, desde então?
No Brasil vivemos essa ilusão e outras. As ilusões do homem cordial, da democracia racial, da convivência harmônica entre a casa grande e a senzala. A ilusão do déspota esclarecido.
A democracia que vivemos Brasil até outubro de 2014 teve custos. Custou muito povo nas ruas e vários cadáveres multilados e sem a devida sepultura. Teve que esperar, no entanto, pela decrepitude de um modelo de força que vigorava na América Latina para então se impor. A democracia, naquele momento, pareceu ser a tal condição natural. Não o era. Vemos hoje.
Vemos hoje ser reescrito artigo 1º da nossa constituição:
“Todo o poder emana do poder, que o exerce por si próprio e nos seus próprios termos”.
Esta sim uma condição natural.
Não nos iludamos, estão aí o poder econômico, o poder de manipulação da informação e o poder de coerção armada a se unir e tomar nos dentes os tais freios e contrapesos dos poderes democráticos constitucionais.
54 milhões de votos cidadãos nada valem. O poder vale por si.
Hoje, após as revelações dos grampos de Romero Jucá não há como negar a conspiração desses poderes para solapar o poder democrático.
O impeachment da presidente democraticamente eleita, uma farsa. Uma conspirata.
As operações da Polícia Federal, do Ministério Público e do tribunal de exceção de Curitiba, tendo o combate à corrupção como mote, visaram colocar sob controle de um grupo os poderes constitucionais Executivo e Legislativo. O Judiciário, último bastião constitucional, acoelhado pelos que dentre os seus conspiradores têm a ousadia dos canalhas.
O golpe consumado, na substituição do poder eleito pelo poder rejeitado nas urnas. Um títere na figura presidencial.
“Todo o poder emana do poder, que o exerce por si próprio e nos seus próprios termos”.
“Corruptos” presos, só os que não interessam ao poder. Corruptos úteis não serão molestados, enquanto se mostrarem úteis. Viverão, no entanto, sob a espada de Dâmocles, para que continuem úteis e utilizáveis.
A riqueza produzida por um povo, o butim dos vencedores. A miséria aos miseráveis. Outra condição natural.
A soberania nacional hipotecada a um poder estrangeiro maior que jamais se pejou de defender seus interesses defendendo tiranos colaboracionistas.
A hipocrisia nas folhas dos jornais e nas telas cotidianas como o novo ópio do povo.
E um povo que crê em ilusões crendo na maior delas, que por alguma condição natural que jamais existiu em parte alguma do mundo ou em qualquer tempo, “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
Não no iludamos, hoje, no Brasil, “todo o poder emana do poder, que o exerce por si próprio e nos seus próprios termos”.
E assim será enquanto o poder democrático não se confrontar a ele.
E haverá custos.
Que as cabeças rachadas dos nossos estudantes secundarista em luta e de seus professores, não nos permitam ilusões.
A manutenção da mínima igualdade entre os homens sempre custou um rio de sangue.
O preço está posto pelo poder que hoje nos governa.

PS1: as eleições municipais de 2016 serão, mais que um termômetro, uma chave que fechará na razão direta da viabilização do PT. Às favas os pruridos da consciência.
PS2: PS2: “Aux armes, citoyens! Formez vos bataillons!” – La Marseillaise cantada por Mano Brow já está disponível na Oficina de Concertos Gerais e Poesia.

2.5.16

Moysés Pinto Neto: A micropolítica reacionária e sua infiltração no sistema político

Logo após as eleições de 2014 começou-se a falar da "ofensiva conservadora",entendida como um processo de resposta de setores mais abastados e da classe média diante dos avanços de inclusão social do lulismo a partir da chave da corrupção e da retomada dos valores tradicionais. A descrição ainda abrangeria o ataque "rentista" sobre a economia brasileira, chegando ao ponto de etiquetar na classe média o rentismo e até, no limite, nas "Jornadas de Junho" entendidas como processo de ressurgimento da direita e avanço conservador.
Essa descrição — que recentemente ganhou, meio tardiamente, sua versão cinematográfica — não é de todo falsa, mas apenas muito parcialmente verdadeira. Ela não seria capaz de explicar como a "ofensiva conservadora", em primeiro lugar e apesar dos "movimentos sociais" ultraliberais que empunham suas bandeiras, continua demandando a melhoria da qualidade dos serviços públicos e defendendo a presença do Estado na economia. Longe de uma "revolta dos microempreendedores" por mais liberdade de mercado, como sustenta essa fatia ideológica da análise, tem-se muito mais uma revolta moral contra a corrupção e o desperdício do dinheiro público e um inegável asco por programas de inclusão social que poderiam — na visão equivocada dos manifestantes — estimular o ócio e formar um pacto populista/paternalista de um partido com a população mais pobre. Ou seja, uma centro-direita típica, bem próxima da ideia de conservadorismo. A chave "rentista", portanto, é muito mais adequada — ainda que também insuficiente — para explicar a macropolítica e macroeconomia, sobretudo a clara oposição do mercado financeiro à Dilma assumida mais claramente desde 2014, com a reeleição, mas iniciada desde a adoção da "nova matriz econômica" em 2008.
Se o rentismo não explica o porquê da revolta contra o governo, tampouco a inclusão social parece ser suficiente. É verdade que existe um segmento grande da classe média e da nova classe trabalhadora (os "batalhadores" ou a "classe C") que visualiza nesses programas, como já dito, um estímulo ao ócio e populismo. Mas essas pessoas nunca tiveram outra posição. Em 2006 e 2010 não era diferente. Naquela época, afirmou-se corretamente que o "voto ideológico" (entendido como contraponto ao "voto interessado" ou "voto útil") era da direita. Naquele momento, foi possível enxergar que o tamanho da direita ideológica não é maior que o da esquerda ideológica, flutuando a maioria do eleitorado por noções mais simples e menos politizadas como, por exemplo, a melhoria da qualidade de vida. O Plano Real resolveu o problema da inflação, ponto para o PSDB. O lulismo promoveu a melhoria da economia, com crescimento e inclusão social, ponto para o PT. Não se trata do determinismo econômico que insiste em se tomar como único parâmetro de análise repetindo o mantra “it’s economy, stupid”, mas simplesmente de perceber que a maioria não se orienta por critérios rígidos de orientação política. A explicação para a capitalização atual do conservadorismo, com ampla infiltração no sistema político, tem que ultrapassar esse ressentimento de classe que serviu durante os últimos dez anos — numa estratégia mais ou menos suicida — para que o PT se autoglorificasse pelos avanços sociais e colocasse nos seus inimigos o selo de "a pior gente possível". O recente protagonismo de Jair Bolsonaro explica-se mais ou menos por aí. O "desejo de Bolsonaro" é a possibilidade de identificar o adversário como o pior da política — no caso, o mais descarado e odioso fascismo — e jogar o problema da crescente oposição para o lado da moral. Se isso funcionou durante um bom tempo, e a proliferação de discursos de chauvinismo e self-hate da classe média "intelectualizada" é um indicativo que de fato funcionou, hoje o esgotamento se mostra no fato que mesmo a escolha do inimigo mais polarizado e caricato não tem sido suficiente para evitar o descontentamento. Tem gerado, aliás, uma profecia-que-se-cumpre-a-si-mesma no qual, diante do extremismo na escolha, joga-se o opositor para a situação de aceitar a identificação com essa figura espúria.
O crescimento do reacionarismo não teria sido possível sem que estivesse enraizado fortemente na sociedade, naquilo que os políticos chamam de "base social". Ou seja, contrariando ou complementando essas análises que terminam numa grande epopeia do Bem contra o Mal, é preciso embaralhar um pouco mais as cartas para compreender como houve essa infiltração que hoje é representada pela hegemonia absoluta de Eduardo Cunha, a arquissíntese de um Brasil detestável, mas bem vivo entre nós. Continuo com a ideia que — mais do que frases de efeito como "não passarão!" ou textos carregados de adjetivos e construções absurdas para "motivar" — o que mais precisamos é de pensamento, ou seja, entender como chegamos a esse ponto para então nos situarmos com clareza politicamente. Assim, temos que detectar na cartografia do social onde essas forças conseguiram se viralizar e quais foram as válvulas que possibilitam sua infiltração no sistema político. Uma doença grave e repulsiva, como a própria figura de Eduardo Cunha, não deve obstaculizar um diagnóstico racional sobre suas causas. Isso significa olhar para um campo que normalmente os intelectuais uspianos desprezam, mas que foi absolutamente decisivo: a micropolítica.
Se observarmos, em linhas gerais e sem nenhuma pretensão "científica", o perfil desses deputados que horrorizaram a população na votação doimpeachment, vamos perceber o crescimento social de dois campos e a manutenção de um terceiro. O campo que se mantém é o do católico conservador, provavelmente influente na sua cidade natal como médico ou advogado, que se alinha com os valores tradicionais da classe média e, por consequência, é visceralmente anticomunista (associando, obviamente, o PT ao comunismo). Nada de novo aqui: esse segmento jamais deixou de existir e constitui o tradicional campo da direita política no Congresso. Em alguns casos, esse tradicional conservador ganha novos ares, mais "moderno" e "liberal", só que em sentido estritamente econômico. Ele alia-se ao modo norte-americano de fazer política, enveredando pelo macartismo e inspirado nos think tanks pró-mercado, mas em termos morais continua alinhado à "família brasileira", entendida como arranjo monogâmico, patriarcal e heteronormativo inspirado em valores religiosos cristãos.
O que vimos, no entanto, vai além disso. Temos agora uma ampla gama de deputados alinhados com as Igrejas neopentecostais, que são as responsáveis pelo maior "trabalho de base" no Brasil desde a década de 80 do século passado. Há uma imensa variação entre essas Igrejas hoje em dia no Brasil, mas pode-se dizer que via de regras aquelas que se interessam em ocupar espaços políticos institucionais estão marcadas por um certo ethos específico. A combinação entre o rigor e a disciplina moral, que possibilitam ao "batalhador" uma estabilidade em um contexto social desorganizado, como mostra Jessé Souza em seu trabalho sobre os "Batalhadores Brasileiros", somada à introdução da "teologia da prosperidade" — que enfatiza valores pró-mercado e coloca o "espírito do capitalismo" no âmbito da periferia— e ao componente mágico que combina a dádiva (a possibilidade de doar, do dispêndio sem retribuição, mas com valor social positivo no dízimo), a economia do luxo (com a ostentação, por exemplo, do Templo de Salomão, no qual estiveram presentes na inauguração, lembremos, Dilma e Alckmin) e o sincretismo vedado pelo cristianismo mais "teologizado" da Igreja Católica (com exorcismos, curas milagrosas, promessas impossíveis) possibilitam não apenas o "encantamento" de um mundo devastado pela pobreza e violência, mas um processo de individuação que configura uma forma-de-vida bem estruturada. Ao mesmo tempo, as lideranças pastorais tornam-se cada vez mais poderosas, independente das suas intenções serem genuínas ou nem tanto. Não por acaso o "poder pastoral" foi uma das formas investigadas por Foucault.
Por outro lado, podemos observar igualmente um setor que se alavanca nos últimos anos, identificados com valores também conservadores, mas com um certo ar agroboy, o Brasil country identificado com o "sertanejo universitário" que Viveiros de Castro vem descrevendo, mais ou menos sozinho, como um setor que avança cada vez mais no campo brasileiro:
Hoje o Brasil foi branqueado. Essa cultura country aí é uma mistura de cultura europeia com cultura americana, de grande carrão, 4x4, pick ups, rodeos, chapéus americanos, botas. Existe um projecto de transformar o Brasil num país culturalmente do hemisfério norte, seja Estados Unidos, seja essa Europa mais reaccionária. Porque estamos falando de colonos alemães que vieram do campesinato reaccionário, bávaro, pomerano, e dos camponeses italianos, que eram entusiastas do nazismo e do fascismo na II Guerra. Continuam sendo. O que tem de grupo de extrema-direita no sul do Brasil é muito. O foco da direita fascista, nazista é o Paraná e o Rio Grande do Sul. Então o Brasil é um país dividido entre um sul branco e o resto não branco, português, negro no litoral, índio no interior.
Os avanços desses setores foram amplamente subestimados por um erro metodológico-cognitivo da nossa esquerda: sua síndrome de gigantisco. O Brasil, nesse imaginário, é o "Brasil Grande", tão grande que consegue suportar a convivência das ideias de Kátia Abreu sobre a distribuição de terras, direitos indígenas, agrotóxicos, transgênicos e monoculturas sem que isso supostamente prejudique o "grande projeto" de inclusão social. Da mesma maneira, no Brasil dos "movimentos sociais" é normal conviver com fundamentalistas que pensam a democracia como teocracia, repudiando a laicidade do Estado e o respeito aos direitos fundamentais das pessoas que não compartilham seu credo religioso. A sobreposição da "maioria cristã" é entendida como a possibilidade de impor parâmetros pautados unicamente na religião — e no seu compartilhamento majoritário — sem respeito às minorias políticas que não compartilham esses valores e têm direito a ser respeitadas como cidadãs da mesma estatura (isso é tão óbvio que até me dói escrever).
A equivalência entre cidadania e poder de consumo, insistentemente repetida pela própria Presidenta Dilma Rousseff, despolitizou o próprio cerne da política, fazendo aquilo que a própria esquerda acadêmica critica no "neoliberalismo": tornar a economia uma narrativa absoluta, retirando a importância da política. Não é difícil perceber nisso o eterno ponto de encontro entre alguns setores do marxismo, do desenvolvimentismo e do neoliberalismo: sua ênfase absoluta na macroeconomia e desconsideração do nível micropolítico, das formas de subjetivação e do questionamento dos fins propriamente ditos a que tal "progresso econômico" irá nos conduzir. Por tudo isso, a esquerda governista considerou irrelevante enfrentar essas forças políticas, rifando seus aliados minoritários, gradualmente alimentando até a aliança com os reacionários. Nesse processo, o projeto político da esquerda foi gradualmente se paralisando em face dos constantes vetos reacionários até o ponto em que simplesmente desapareceu, reduzindo-se a um plano econômico baseado no crescimento induzido pelos "supercampeões nacionais".
Enquanto isso, e aqui vai a discordância com o citado Jessé Souza, a melhor explicação para a infiltração dessas duas novas formas de subjetivação na política institucional é mesmo a da patrimonialismo. A "válvula" que possibilitou esse crescimento é a "governabilidade" instituída no pacto pemedebista com o "Centrão" explorada por Marcos Nobre no seu "Imobilismo em Movimento". Nobre, porém, analisa apenas (e sem nenhum demérito à demarcação) o jogo da Realpolitik institucional, sem focar nas formas de subjetivação que compõem as bancadas agora definidas no arranjo "Bala, Boi e Bíblia", justamente o que há de mais reacionário no Brasil. Se ainda seguirmos Marcos Nobre ao entender as revoltas de Junho de 2013 comomanifestações "antipemedebistas", podemos compreender o realinhamento das forças políticas como uma combinação entre a estratégia de ocupação patrimonialista do "baixo clero", baseada no fisiologismo descarado até o nível criminal, e a forma-de-subjetivação reacionária que garante uma "base social" a tais parlamentares. O patrimonialismo e o personalismo servem de válvulas para a infiltração desses políticos corruptos e cínicos que se cacifam por meio de valores conservadores e pautas reacionárias, combinando o enfraquecimento da democracia com o antirepublicanismo e desprezo aos direitos fundamentais. A figura de Eduardo Cunha tem de ser entendida na sua força pela combinação desses dois elementos: de um lado, ele possibilita a passagem de pautas reacionárias que popularizam os deputados nas suas bases com subjetivação conservadora; de outro, ele representa, como um "Presidente do Sindicato", os parlamentares do baixo clero nos seus interesses mais mesquinhos que, diante do enfraquecimento do governo, podem passar com mais facilidade.
Se tudo isso é verdade, podemos visualizar que a guerra macropolítica é também um reflexo da micropolítica. O que 2013 afirmou, ao menos nos seus momentos iniciais, era a progressiva coesão (hoje esfacelada) de composições heterogêneas entre novas formas-de-vida, dos movimentos indígenas, passando pelo feminismo e movimento negro, até os movimentos por outro modelo urbano e político. O florescimento dessas lutas que, naquele momento, eram combinadas em arranjos heterogêneos, numa composição de múltiplas vozes em parte devedora dos próprios sucessos do lulismo (pela inclusão econômica e ações afirmativas, p.ex.), é que despertou uma reação agressiva do que há de mais reacionário no Brasil. Por outro lado, também o protesto por democratização do sistema político, com a demanda contra a corrupção e pelo aprofundamento da democracia que caracterizou aquele momento pode ser interpretada como uma ameaça ao status quo dessas bancadas fisiológicas e patrimonialistas, exigindo uma posição drástica — eleger uma "figura das sombras" para a Presidência da Câmara — a fim de paralisar esse processo.
Em outros termos, o que essa composição reacionária do Congresso representa é uma reação dialética ao avanço micropolítico de outras formas de subjetivação que também utilizou, e até com muito maior viralização, estratégias micropolíticas, conseguindo promover a constituição de uma base social sólida que se afirmou na lacuna despolitizante da "inclusão pelo consumo" promovida pelo ciclo lulista. Não é contra essa inclusão que se afirma, mas como sua contraparte política. Ao mesmo tempo, compõe um bloco de resistência agora mais coeso contra a real ameaça que o sistema político passou em 2013, transitando para a superfície do sistema um perfil que antes preferia atuar nas sombras, por meio das válvulas do patrimonialismo e da governabilidade.